sexta-feira, maio 13, 2011

Cada um no seu quadrado


Desde criança sou noveleira. E desde essa época remota da minha vida aprecio um barraco de novela. As frases de efeito que eu mais gostava e que vinham acompanhadas de uma expressão de desprezo do artista eram:
  1. “Como é que é? Repita, por favor.” (esta frase é ótima, quando minha avó diz isso eu tremo, mesmo sendo uma mulher com quase 32 anos, eu tremo!)
  2. “Quem você pensa que é?”
  3. “Ponha-se no seu lugar!”

Tenho lembrado agora destas frases por conta da aprovação da lei que reconhece a união homoafetiva como entidade familiar, com os mesmos direitos de uma família formada por um homem e uma mulher, e também por causa da onda de revolta das pessoas que são contra esta medida.
Até hoje não entendo essa necessidade do ser humano em focar seu ódio num determinado segmento. Quando não são as mulheres, são os homossexuais, os negros, os pobres, as crianças, estrangeiros, judeus, muçulmanos, candomblecistas, os ricos, “o sistema”, etc. A lista de ódio/nojo/repulsa/aversão/saiadepertodemim é enorme. Quanto ao PL 122, então... Todo mundo falando que “é um absurdo, já existe crime de injúria, difamação, bla, bla, bla, pra que isso, esses viados gostam de um barulho”... Mas NÃO é a mesma coisa. Eu chamar o cara de viado é pejorativo, é preconceituoso, mas assim: viado = homossexual. Ser viado (homossexual) não é algo que deva envergonhar alguém, ser crioulo idem. O negócio é você ser xingado por ser homossexual e negro. O negócio pesa quando usam sua classe social, sua raça ou sexualidade para te ofenderem, como se você devesse se sentir mal, com vergonha de ser negro, pobre, mulher e/ou homossexual. E fazer isso contra uma pessoa, pra mim, deveria ser crime, sim.
Os argumentos “dos contra” que mais ouço é de que agora todo mundo tem que aceitar como “normal” dois marmanjos se beijando, como se homossexuais fossem sair por aí num estado lúbrico perene agarrando-se a torto e à direito como se não houvesse amanhã. Os cristãos acham que serão feridos em sua liberdade religiosa porque não podem mais falar que homossexualismo é errado. Mas peraí: na Bíblia também fala que os adúlteros não serão bem-vindos no reino dos céus, porque convenhamos: adultério = traição = mentira logo, no Apocalipse quando diz que enganadores, mentirosos não herdarão o reino dos céus, os adúlteros estão no balaio. E não li em nenhuma parte dos 4 evangelhos Jesus se preocupando com rabos alheios, o que o deixava puto mesmo era o que... hummm... deixa ver, peraê: ah, é. HIPOCRISIA. Os líderes judaicos de-tes-ta-vam Jesus porque ele fazia questão de mostrar pra eles que eles eram uns merdas em questão de orientadores espirituais.
E quando ouço esses comentários de : “Os gays estão querendo dominar tudo”; “Não tenho mais liberdade de expressão? Que democracia é essa? (liberdade de expressão leia-se: poder xingar o viadinho que acabou de passar rebolando e piscando pra você, bofe lindo e hetero)”; “Minha religião – cristã - não aceita isso! (Hello, lover: Jesus foi categórico, divórcio só em caso de adultério, lutem para revogar a lei que autoriza o divórcio, aí, galera!)”.
Ou seja, as pessoas estão incomodadas achando que por gays terem o direito de serem respeitados, eles irão sacanear todo mundo. Ditado da época da vovó: quem disso cuida, disso usa. Se estão com medo de que homossexuais saiam processando Deus e o Diabo, é porque sabem que sim, o preconceito existe, os gays são discrimandos sim, e o que fazem com eles é uma tremenda sacanagem. A ótima comediante Wanda Sykes fala sobre isso aqui.
Então, voltando às frases de efeito da minha vida de noveleira: quem é contra leis que criminalizam racismo, homofobia, etc e tal, diz que não é necessário uma lei para isso, imagina. Dizem amar os deficientes físicos e mentais, amam os negros, amam as mulheres, amam os transgêneros, os gays, as lésbicas, eles amam todo mundo, mas assim, quando estes passam a partilhar dos mesmos direitos que qualquer cidadão tem, os do contra logo partem para:
“Como é que é? Repita, por favor...”
“Bom, como eu ia dizendo, você não pode mais sair por aí dizendo que eu posso ser curado, que a homossexualidade é um mal e precisa ser combatida”.
“Quem você pensa que é?”
“Oras, sou uma pessoa que exige respeito!”
“Ponha-se no seu lugar!”
“Como assim? Qual é o meu lugar!?”
“Seu lugar, sua bicha louca, é junto com aquela sapatão ali que tá lá do lado do negão. Viu bem?  Seu lugar é no salão sendo cabeleireiro, o da sapatão é jogando futebol e o do negão é tocando na bateria da Beija-Flor. Entendeu? Agora sai do caminho que eu tenho que falar com aquele...aquela... ah, sei lá, com aquilo que eu não sei se é homem ou mulher, que gente como ele tem ficar na esquina fazendo programa e de vez em quando fazer uns vídeos pra pôr no youtube e eu dar umas boas gargalhadas! Mas perto de mim e da minha família, vocês não ficarão meeeeeeesmo! E deixa eu ir logo sair desse mercado, hein, tenho que empacotar minhas compras eu mesmo, senão fica aqueles retardadinhos do tal programa de inclusão querendo guardar minha coisas e eles são lerdos demais”.

Os hipócritas te aceitam, desde que você saiba qual é o seu lugar e, definitivamente, seu lugar não é do lado deles gozando dos mesmos direitos. 

Um comentário:

Emanuel disse...

Doloroso, e verdadeiro.